O vinil digital está em alta e gera polêmica

Marcelo Justo

O leitor deve estar perguntando: como assim um vinil digital?

Pois é. Esse questionamento veio depois de o cantor e compositor Ed Motta, em uma entrevista, dizer que a pior prensagem do álbum “Aja”, da banda de jazz-rock Steely Dan, era a recente reedição americana. Isso mesmo, a pior em relação à qualidade sonora é o relançamento. “O som vem meio CD, comprimido demais, parece que eles mixaram novamente”, disse na entrevista.

Foi ai que levantei essa questão, do porquê os relançamentos têm um som diferente, ou pior, diante de tanta tecnologia hoje em relação à masterização, remasterização etc.

O Ed Motta tem propriedade suficiente para falar o que quiser quando o assunto é vinil. O músico possui um acervo de mais de 20 mil itens em LP e só do álbum “Aja” o músico possui seis edições entre a nacional, japonesa e três americanas, e diz que a melhor e mais fiel qualidade sonora é a americana — lançada pelo selo americano Mobile Fidelity Sound Lab, que diz em seu site fazer a mais fiel versão em UHQR (Ultra High Quality Record), que quer dizer a melhor gravação em alta qualidade.

O assunto é polêmico, tanto que me levou a escrever sobre isso nesta minha primeira participação no Vitrola.

Ouvi alguns dos novos fabricantes de vinis do Brasil para tentar chegar em um consenso do que estamos falando.  Afinal, como pode um vinil ser digital? Um LP extraído de um arquivo digitalizado perde ou não suas propriedades analógicas, fieis ao da primeira matriz gerada, ou seja, da primeira gravação em fita feita em estúdio?

O músico, DJ e produtor Michel Nath é um dos visionários do mercado de vinil e está prestes a abrir a primeira do fábrica de bolachas em alta qualidade, em São Paulo. Segundo ele, na Vinil Brasil, que deve começar a prensar até o fim de agosto deste ano, será possível fazer um processo puramente analógico. “Se uma banda chegar com uma matriz gravada em analógica, ou seja, com uma fita de rolo, nós vamos ter como prensá-lo direto no vinil, sem precisar transformar esse material em uma mídia digital”, disse o empresário.

O processo de masterização exige um conhecimento muito aprofundado e por isso que Nath foi buscar técnicos que trabalharam no mercado de discos desde os anos 1970. “Nesse  processo, se o técnico não souber muito bem o que está fazendo ele estraga todo um trabalho. Ele precisa ter muita experiência para saber como a música deve soar”, completa o DJ.

Na maioria das fábricas no mundo as prensagem são feitas a partir de uma matriz digital, principalmente as grandes gravadoras, que guardam suas matrizes em cofres a sete chaves.

Um exemplo curioso foi um caso da lenda do Led Zeppelin, o guitarrista Jimmy Page, que quando estava revirando os tapes originais da banda para reeditar a discografia, num cofre desses com temperatura controlada, acabou achando uma versão inédita de “Whole Lotta Love”. Ou seja, nem os membros das próprias bandas sabem o que tem guardado nesses cofres secretos.

Os novos fabricantes de vinis foram taxativos em dizer que a maioria das fábricas de vinis atuais não tem como fugir desse processo digital do vinil. De acordo com Vice Fiori, engenheiro de corte da Mammoth Green-SP, a maioria das matrizes que eles recebem para prensar os discos são para fabricar CD e isso está matando o processo. Fiori é quem faz os cortes dos vinis da Lombra-Records, fabricante de vinil de Brasília, que prensa somente lançamentos.

“Todo esse áudio é gravado, editado e masterizado em digital, é muito raro recebermos uma masterização adequada (ou até mesmo correta) para vinil”, afirma o engenheiro.

Ainda segundo Fiori, esse processo até ajuda e facilita mas a falta de uma matriz especifica para vinil põe em risco a qualidade final do produto. “Por um lado temos um grave mais definido, por outro, os agudos e ressonâncias são difíceis de se acertar, gravar um disco é muito diferente de um CD”, disse.

Para tentar alcançar uma qualidade de som mais aproximada a suavidade do vinil o engenheiro disse que a Lombra-Records passa a matriz para um processo analógico para depois prensar. “Nosso processo consiste entre o analógico e digital, passando pelas válvulas, console. E se o cliente preferir, com um custo adicional, passamos a matriz final para a “tascam” (gravador de estúdio que divide os canais), profissional de fita cassete e rodamos direto para o vinil”. Segundo ele, isso não significa que o resultado seja melhor que o digital, mas é possível recuperar boa parte do “doce” do vinil, que era obrigatoriamente masterizado de forma suave.

Em um fórum de “audiófilos” (termo dado aos puristas do vinil), li algumas reclamações quanto a qualidade dos vinis reeditados. Os puristas, que só escutam vinil nos mais completos e refinados toca-discos para tentar extrair ao máximo os 70% do som gravado em estúdio, criticam o modo em que as prensagem são feitas. As criticas são direcionadas aos discos da Polysom, a maior fabricante atual do formato e responsável em colocar nas prateleiras das lojas boa parte dos discos brasileiros que eram considerados quase extintos.

A reclamação dos audiófilos era especificamente a mesma reparada pelo Ed Motta e que já falamos, que é a qualidade sonora do disco que é semelhante a do CD, que, como os outros fabricantes, a Polysom também extrai seus vinis do processo da matriz digital.

Lembrando que o próprio Ed Motta teve recentemente um disco relançado pelo fabricante, o álbum “Entre e Ouça”, de 1992, foi reeditado numa edição de luxo em 180 gramas. Mas será que ele ouviu, aprovou a qualidade? Tentei contato com ele mas sua produtora nos informou que eles estava em viagem e não retornou a tempo de fechar a matéria.

O diretor da Polysom João Augusto nos disse que, nada do que é feito na produção dos discos é diferente do que é feito em qualquer das 42 fábricas existentes ou nos mais de 100 estúdios de corte de acetato. “A qualidade de som segue sendo o principal objetivo e ele tem sido alcançado com louvor.” Ainda segundo o empresário, todos os títulos da série Clássicos em Vinil, do fabricante, são produzidos a partir dos tapes originais remasterizados especialmente para vinil pelos melhores profissionais disponíveis no mercado. Entre os mais recentes relançamentos do selo estão o álbum Brazilian Octopus, lançado em 1968, grupo instrumental psicodélico que tinha Hermeto Pascoal e Lanny Gordin, que teve a critica aqui feita pelo Thales de Menezes, além do primeiro do Trio Mocotó, de 1973.

Vamos deixar de lado esse papo purista e falar um pouco como colecionador. Quero ver algum amante do vinil se deparar com a caixa dos Mutantes, com sete discos, e que não sinta aquela coceirinha nas mãos e nos ouvidos, é claro. Estão dentro da “pandora” cinzenta, os cinco álbuns gravados em estúdio, mais o “Tecnicolor” (disco gravado na França em 1970, e que ficou na gaveta por quase 30 anos), e a uma coletânea. Tudo bem que o preço para desembolsar em uma só tacada é um tanto salgado, em média, o preço fica por volta de R$ 700, mas é possível achar algumas com preços melhores em lojas da região da galeria do rock.

Troque um agasalho por um vinil

Neste domingo (19), tem feira de vinil no museu Dimitri Sensaud de Lavaud, museu municipal de Osasco

Diferentemente de outras feiras, quem levar um agasalho ganhará um disco da sessão de brindes ou terá 10%, na banca Cultura na Calçada. Haverá ainda discos para compra, venda e troca, com preços a partir de R$ 2. 

Além dos expositores, você pode levar até 30 discos no máximo, para quem queira levar somente para troca, sem a reserva de espaço. Ainda terá discotecagem do Favela Hi-FI SoundSystem. 

O museu de Osasco fica na avenida dos Autonomistas, 4.001, Jardim Granada, em Osasco.