MPB clássica funciona melhor na festa da Rio-2016
O repertório musical da festa de abertura da Rio-2016 acertou mais no resgate de canções clássicas da MPB do que na tentativa de apresentar um retrato da produção mais recente no país.
As músicas antigas falaram mais ao público, atingindo a memória afetiva das pessoas. “Aquele Abraço”, sucesso popularíssimo de Gilberto Gil nos anos 1970, abriu a noite já arremessando as pessoas numa zona de conforto.
A interpretação contida de Luiz Melodia para “Aquele Abraço” e a elegância habitual que Paulinho da Viola imprimiu ao Hino Nacional logo em seguida já esboçaram uma das características da noite: exibir esses sucessos conhecidos há décadas em arranjos classudos.
Até quando as músicas foram razoavelmente desconstruídas em versões instrumentais, como “Construção”, de Chico Buarque, como trilha sonora do nascimento das grande cidades, e “Samba do Avião”, de Tom Jobim, acompanhando a decolagem de um 14 Bis, os arranjos eram até um tanto criativos.
Houve algum incômodo quando a opção foi por trechos curtos de algumas performances. A jovem Ludmila e a veteraníssima Elza Soares, de cadeira de rodas e cantando “Canto de Ossanha”, deram praticamente só uma amostra de suas vozes.
Daniel Jobim deve apenas a seu código genético a oportunidade de emular o avô no piano e cantar “Garota de Ipanema” para o desfile de Gisele Bündchen no Maracanã.
Quando resolveu dar um salto no tempo e trazer novidade, a festa perdeu um pouco do bom andamento sonoro. A temperatura caiu bastante e a tentativa de um batidão forçado não colou bem. Karol Conká, a rapper mirim MC Soffia e a Gang do Eletro passaram rápido, em atuações curtas e sem brilho.
Duas canções bem populares foram apresentadas em versões protocolares, apenas para deixar o povo cantar junto: “Deixa a Vida Me Levar”, com Zeca Pagodinho e Marcelo D2 repetindo o dueto que andam fazendo em turnê, e “País Tropical”.
Esta merece uma consideração diferenciada. Não é fácil tirar Jorge Ben Jor de casa, o que já valeu muito na festa, e a música é daquelas que ficam ainda melhores com o passar do tempo. Não tem erro. Foi tocar o primeiro acorde e correr pro abraço.
O clima de euforia se repetiu na hora do desfile da delegação brasileira, com “Aquarela do Brasil”, outra munição musical infalível.
TRIO INUSITADO
Para o final, a mais alta nobreza da MPB institucional, Caetano Veloso e Gilberto Gil, se juntou à fúria jovem de Anitta, para “Isto Aqui o Que É”, de Ary Barroso. A versão escolhida pelo trio foi aquela que João Gilberto gravou, com pequenas alterações nos versos.
Foi uma emoção extra ver Gilberto Gil no palco, depois de sucessivas e recentes internações para tratamento de insuficiência renal. Durante o dia, boatos nas redes sociais levantavam a hipótese de que a participação dele e de Caetano seria em um filme pré-gravado.
Com o rosto visivelmente inchado, provavelmente pela ação dos remédios, Gil exibiu um fiapo de voz, mas demonstrou sorriso aberto, para um público que revelava muita compaixão.
Os três nem cantaram tanto assim. Acompanhados por baterias das principais escolas de samba cariocas, conduziram a letra que mais serviu de trilha para a coregrafia rebolante de Anitta.
O que se viu, e ouviu, foi a aura superior dos artífices de uma identidade musical nacional em um flerte com uma garota que ainda engatinha atrás de um lugar nela.